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O que explica a queda do PIB do Espírito Santo entre 2010 e 2020?

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28/12/2023 17:00
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searchDiretor de Administração e Finanças do Bandes, Sávio Bertochi Caçador.

Os capixabas estavam acostumados a lerem e ouvirem da imprensa local e dos economistas que estudam o Espírito Santo que há décadas (desde os anos 1970) a economia capixaba cresce acima da média nacional. Isso foi fruto do intenso processo de industrialização e urbanização pelo qual passou o nosso estado nesse período com a instalação de grandes plantas industriais produtoras de commodities, o surgimento de arranjos produtivos locais de destaque (rochas ornamentais, móveis, confecções e metalomecânico) e o desenvolvimento das atividades logísticas de importação e exportação de mercadorias. Está última em função de sua estrutura portuária e localização estratégica (há menos de 1000 quilômetros dos principais centros econômicos do Brasil).

Uma estatística que sintetiza essa mudança estrutural do Espírito Santo é sua taxa de urbanização: em 1970, 45% da população do estado residia em áreas urbanas, ao passo que em 2010 passou para 85%.

Os dados introdutórios deste artigo são um para fazer um desdobramento analítico a uma matéria feita veiculada em A Gazeta (A Gazeta | ES está empobrecendo mais do que o resto do país; entenda), quando foi noticiado que o PIB per capita do Espírito Santo caiu -21% entre os anos de 2010 e 2020 (estimativas do IPEADATA – banco de dados do IPEA –, a preços de 2010). O texto destaca, ainda, que o Espírito Santo foi o estado com maior queda dentre as 27 unidades da Federação nesse período em que o PIB per capita do Brasil cresceu apenas 1%.

Do ponto de vista matemático, a conta é simples: entre 2010 e 2020, a população do estado cresceu 16% (estimativas do IBGE) e o PIB caiu -11% (estimativas do IPEADATA, a preços de 2010) em igual período. Dessa forma, a pergunta relevante é: o que explica essa queda do PIB capixaba nesse período? O Gráfico 1 seguinte nos ajuda a entender o desempenho da economia estadual.

searchGráfico 1: Variação (%) real anual do PIB do Brasil e Espírito Santo, 2010-2020

A análise das informações parte do dado que as exportações (para países) são um componente relevante da demanda final da economia capixaba, portanto vamos começar pelos reflexos internacionais na economia local. Essa elevada conexão da economia do Espírito Santo se deve à produção e à exportação de commodities (minério de ferro, aço, celulose e petróleo), cujos preços são estabelecidos no mercado internacional. Os anos 2000 foram um período de forte alta nos preços de commodities (principalmente alimentos, petróleo, metais e energia) em função da crescente demanda de economias emergentes, sobretudo a China. Esse boom das commodities impactou positivamente a economia de países na África e América do Sul, dentre eles o Brasil.

Do ponto de vista das Unidades da Federação (UFs), o Espírito Santo foi muito beneficiado por esse ciclo enquanto ele durou (vide o desempenho da economia capixaba em 2010 e 2011, últimos dois anos de impacto positivo desse ciclo, conforme o Gráfico 1), mas que terminou principalmente por conta da desaceleração da economia chinesa. A retração do PIB capixaba em 2012 e 2013, exibido no Gráfico 1, foi efeito dessa desaceleração da economia chinesa que culminou no fim do ciclo de alta dos preços de commodities, afetando a produção e a exportação estadual, sobretudo de minério de ferro e aço.

Outros dois componentes relevantes da demanda final da economia capixaba são a exportação para outras Unidades da Federação (que até tem peso maior do que as exportações para países) e o consumo das famílias. No cenário local, vale destacar que o Brasil vivenciou uma crise econômica entre 2014 e 2017, o que levou a retração do seu PIB em -3,5% em 2015 e -3,3% em 2016. O PIB brasileiro voltou a crescer 1,3% em 2017, contudo a taxa de desemprego era elevada nesse ano, 13,7% (mais de 14 milhões de desempregados).

Entre as causas dessa crise econômica nacional estão o fim do ciclo de alta dos preços das commodities no mercado externo, que afetou as exportações e diminuiu a entrada de capital estrangeiro, e as medidas da Nova Matriz Econômica, que incluía políticas de intervenção governamental na economia, redução da taxa de juros, concessões de subsídios e intervenção em preços. A soma destas iniciativas gerou a crise de sustentabilidade fiscal que se seguiu e elevou o risco-país, a taxa de juros de longo prazo e a incerteza, o que reduziu o consumo e o investimento em 2015 e 2016.

Essa crise econômica nacional impactou o PIB capixaba em 2015, queda de -2,1%, e 2016, queda de -5,2%, vide Gráfico 1. E isso se deu por duas vias: primeiro, essa crise impactou o desempenho de setores produtivos locais que exportam para outras UFs, como, por exemplo, rochas ornamentais, móveis e confecções, pois outras UFs reduziram suas importações do Espírito Santo; segundo, essa crise impactou negativamente o consumo das famílias capixabas, como, por exemplo, o segmento de “Comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas” que teve retração do seu Valor Adicionado Bruto - VAB (proxy do PIB) de -27,9% entre 2014 e 2017.

Além dos fatores mencionados anteriormente, alguns eventos específicos contribuíram para um desempenho econômico abaixo do esperado para o Espírito Santo entre os anos 2010 e 2020.

O primeiro deles foi a entrada em vigor, a partir de janeiro de 2013, da Resolução nº 13/2012 do Senado Federal que unificou em 4% a alíquota de ICMS incidente sobre operações interestaduais com mercadorias importadas. Neste cenário, o Espírito Santo foi duramente impactado, uma vez que conta com o incentivo financeiro do Fundap (Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias) desde os anos 1970 que, em conjunto com sua estrutura portuária e localização estratégica, desenvolveu um importante segmento de transporte, armazenamento e distribuição de mercadorias importadas para o próprio Espírito Santo e principalmente para outros estados. Com a Resolução nº 13/2012 do Senado o Fundap não era mais tão atraente e as importações pelo Espírito Santo perderam competividade. Uma evidência disso foi a redução da participação capixaba nas importações do Brasil: passou para uma média de 4,5%, antes de 2013, para uma média de 3,0%, depois de 2013.

O segundo desses eventos foi o rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana (MG) controlado pela Samarco, em novembro de 2015, que causou perdas de vidas e impactos ambientais, sociais e econômicos em vários municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. A empresa retomou suas operações em dezembro de 2020, 5 anos após a tragédia, e anunciou que somente em 2029 deverá alcançar uma escala de produção anterior a tragédia. Uma amostra do impacto da paralisação da Samarco pode ser evidenciada pela participação do PIB do município de Anchieta no PIB estadual: em 2014, antes da tragédia, esse município representava 3,6% do PIB estadual, e em 2016, ano seguinte a tragédia, ele representava apenas 0,65% do PIB estadual, uma redução de -82%.

O terceiro evento específico foi a crise hídrica (sem chuvas significativas) que se abateu no estado entre 2014 e 2016, cujas causas apontadas por especialistas à época foram mudanças climáticas e desmatamentos. Apesar da agropecuária não ter um peso significativo no PIB estadual (participação de 3,2%, em 2010, e 4,5%, em 2020), ela é a principal atividade econômica em diversos municípios do interior capixaba. Alguns desses municípios, por exemplo, se destacam nacionalmente na produção de café, pecuária, leite, ovos de galinha e frutas. Depois de um crescimento acumulado de mais de 20% entre 2010 e 2014, por conta dessa crise hídrica o VAB (Valor acrescentado bruto, resultado final da atividade produtiva em um período) da Agropecuária capixaba teve queda de -10,1%, em 2015, e -8,7%, em 2016. Após isso a Agropecuária estadual só voltou a ter desempenho negativo em 2019 em função, sobretudo, da bienalidade negativa do café (a bienalidade se caracteriza pela alternância na quantidade produzida entre uma safra e outra, com um ano de produção mais elevada e outro com rendimento inferior), o que é algo comum no seu ciclo produtivo.

O quarto evento específico foi a tragédia do rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho (MG) controlado pela Vale, em janeiro de 2019. De forma semelhante a tragédia de Mariana, mas com impactos um pouco menores, a tragédia em Brumadinho também causou perdas de vidas e impactos ambientais, sociais e econômicos em Minas Gerais e no Espírito Santo, paralisando temporariamente as operações da Vale.

O quinto elemento específico da conjuntura econômica capixaba é a queda da produção de petróleo e gás no estado. Desde o 2º trimestre de 2017 que a produção local vem caindo sistematicamente em função do amadurecimento dos poços e da redução de investimentos, por parte das empresas do setor, na busca por novas áreas para exploração no território estadual. Especialistas do setor indicam que a mudança do regime regulador para a exploração e a produção de petróleo e gás estabelecida em 2010 afetou negativamente a disposição de investimento das empresas.

Portanto, o fim da alta de preço das commodities, a tragédia de Mariana, a tragédia de Brumadinho e a retração na produção de petróleo e gás explicam, em conjunto, a queda no VAB da Indústria Extrativa capixaba entre 2016 e 2019. Nesse período esse importante segmento da indústria capixaba acumulou queda de -51,8% do seu VAB, impactando negativamente a economia estadual como um todo nesse período. Especialmente em 2019, conforme Gráfico 1, a queda de -3,8% do PIB capixaba foi resultado da tragédia de Brumadinho e da produção decrescente de petróleo e gás.

E o fraco desempenho do PIB do Espírito Santo (do mundo e do Brasil também) em 2020 foi consequência da pandemia do novo coronavírus, cujos primeiros casos no Brasil surgiram a partir de março daquele ano. Essa pandemia resultou em instabilidade social e econômica significativa, incluindo a maior recessão global desde a Grande Depressão de 1929, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). No primeiro ano da pandemia, em 2020, conforme Gráfico 1, a economia brasileira recuou -3,3% e a capixaba -4,4%.

Em síntese, elencamos muitos fatores que explicam a retração no PIB do Espírito Santo entre 2010 e 2020: desaceleração da economia chinesa, fim do ciclo de alta dos preços das commodities, crise econômica nacional, Resolução nº 13/2012 do Senado, tragédia de Mariana, crise hídrica, tragédia de Brumadinho, queda na produção de petróleo e gás e a pandemia do novo coronavírus. De fato, não foram anos fáceis para a economia capixaba e pela primeira vez em muito tempo vimos nosso PIB ter um desempenho inferior ao PIB brasileiro.

Sávio Bertochi Caçador
Diretor de Administração e Finanças do Bandes
Mestre em Economia pela UFES